Cartografia Social
Butantã em mapas

Cartografia Social

Optamos por trabalhar com a técnica de investigação da “cartografia social”, ferramenta de abordagem metodológica qualitativa que ultrapassa a representação cartográfica, pois captura e representa redes e processos sociais e ilumina o cotidiano da vida coletiva, de indivíduos e de grupos sociais, compreendidos na identidade sociocultural manifestada pelos atributos do lugar, segundo Ana Clara Torres Ribeiro (2013). Ou seja, além do mapeamento como instrumento isolado, ilustração e representação técnica de informações institucionais, trabalha com as representações do cotidiano de uma comunidade que ao longo do processo, coloca os partícipes como coautores das ações, atividades e mapeamentos, articulando saberes e conhecimentos por meio de uma linguagem acessível e legitimada pela realidade social e pelo enraizamento territorial.

O resultado do processo não é apenas uma representação cartográfica, mas sim um conjunto de atividades orientadas e tramadas entre saberes que podem ou não se espacializar, como exemplo as rodas de conversas, depoimentos sobre o território Butantã e vivências territoriais. Estas atividades são indissociáveis entre si, tecem a memória individual e coletiva dos grupos sociais e as territorializam. Neste aspecto tomamos partido dos recentes avanços tecnológicos no campo da localização espacial (ferramentas e sistemas espaciais de livre acesso), como instrumento facilitador deste processo.

Por outro lado, se nós nos desvencilharmos dos aparatos tecnológicos de localização atuais, gps, googlesmaps e outros, conservando talvez a bússola, e voltássemos 500 anos atrás no tempo, chegaríamos a mapas de cidades que, comparados com os atuais, apresentariam outras relações de escala e de abstração. Representando pequenas cidades ou povoados, eles nos trazem referências, desenhadas em duas ou três dimensões, do arvoredo, das travessias, das pequenas capelas, bifurcações, casas isoladas, verdadeiros marcos cotidianos de orientação e baliza para viajantes. Andando a pé ou à cavalo, a relação direta e próxima ao território mapeado traz na sua representação cartográfica detalhes e distorções de escala de acordo com a hierarquia dos marcos e da relação tempo/espaço/distância da época.

São Sebastião do Rio de Janeiro 1579 Autor Jacques de Van Claye. Fonte: detalhe do original, manuscrito da Bibliotheque Nationale de Paris. REIS, Nestor Goulart, Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial

Mapas feitos para orientar as naves europeias em suas incursões em nossos territórios representavam neste misto de planta baixa e perspectiva as principais informações para os navegadores: todas as fortificações, aldeia conquistada por um francês no quadrado à direita, reduto de índios, cidade com igreja, olaria, engenho de cana, cisterna, guarita sobre a montanha à esquerda, a escala dependendo mais da importância do que se representa do que suas reais dimensões.

Região do Butantã em 1913 e 1924.PMSP
Fonte: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx
Região do Butantã em 2020. PMSP               
Fonte: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx

Acima, as representações cartográficas do Butantã, área trabalhada na cartografia social do projeto, em 1913, 1924 e 2020, mapeadas de acordo com as convenções de suas datas de lançamento. As duas primeiras com a primazia, presença marcante, dos rios e da vegetação local, pois é só em 1924 que se configura o começo da urbanização da área. E a última em um mapa de 2020, cujo visual homogêneo – produto da complexidade e expansão urbana atuais e das convenções de representação propiciadas pelo uso de técnicas de informática na cartografia – é compensado pela possibilidade de num clique, chegar às informações pontuais e detalhadas que traziam os antigos mapas.

Mapa cognitivo de Lina Zuquim Frigerio, 10 anos.

A nosso pedido, Lina Zuquim Frigerio, de 10 anos e aluna do Escola Municipal de Ensino Fundamental Amorim Lima, fez um mapa contando sua relação com o bairro, no Butantã. Nele, com uma noção expressa de espaço, Lina faz o que nomeamos de cartografia social/gustativo/afetiva. Por um lado, perfaz uma viagem entre os locais frequentados em seu cotidiano: no canto direito superior a praça Pan-americana, no canto direito inferior o cruzamento da linha do Metrô, no quadrante inferior à direita o caminho à USP e suas rotatórias, paralela a esta na Vital Brasil passando pelo Mc Donalds, Instituto Butantã – com cobras e vacinas – o Ponto Economia Solidária, o supermercado Oba, o Amorim, a Pizzaria, chegando ao final na praça Elis Regina; ao lado da praça a casa do avô (flauta, vibrafone e joystick); voltando, a própria casa e seu computador – no “Conjunto Residencial Butantã Inocoop” cortado pela avenida Benjamim Mansur que leva da Avenida Corifeu de Azevedo Marques à Raposo Tavares, no Y a casa da avó com suhis e sorvete e as piscinas públicas do Club Escola Butantã. Na casa dos familiares muitos corações! Por outro lado, mostra, também através de uma representação em planta baixa e perspectiva, uma área extensa, informando-nos seus maiores interesses na área de sua redondeza, onde a escala também depende mais da importância do lugar do que suas reais dimensões.

O trabalho aqui apresentado apoiou-se em mapas em escalas distintas da região metropolitana e do Butantã, que apoiaram vários encontros, reuniões e conversas armazenando informações relativas a processos específicos e de relações socias e conflitos que qualificam o território. As áreas restritas, a figuração simbólica de marcos e anotações remetem ao trabalho da cartografia social de uma área urbana na medida em que nesta é dada vida ao espaço através de relatos vividos pela população local em uma área determinada, com objetivos específicos e definidos.

Pictogramas

Quando vemos o mapa ampliado, preenchido com os pictogramas mostrando lugares de encontro, de trabalho, de moradia, saúde, compras, locais perigosos nas trajetórias a pé no próprio bairro, ou após a saída do transporte urbano para uma região-destino, eles acabam nos lembrando estes antigos mapas renascentistas, não pelo seu traçado, mas pelo sentido neles impresso através da plotagem dos movimentos, organizados ou não, de gente/pessoas entre pontos de referência; pela localização de pontos de apoio, pela indicação do caráter ora fixo ora transitório de marcos urbanos; um mapa falado e vivido.

Da cartografia social emerge o espaço vivido em diálogo com quem o habita,  trabalha e usufrui e ao mesmo tempo expressa o aprendizado de estratégias de organização, redes, locomoção e localização no território.

No intuito de espacializar práticas sociais e informar formas de apropriação de espaço, os mapas utilizados nos trabalhos ao longo do projeto, em um primeiro momento, localizaram e definiram o Ponto: espaços institucionais, rede da saúde pública, rede de economia solidária e ‘serviços’ oferecidos, etc  e sua área de alcance (incluindo trajetos e localização dos horticultores que suprem a feira de hortaliças do Ponto, e das moradias dos funcionários), movimentos sociais parceiros (principalmente Rede Butantã e os movimentos ligados à produção agroecológica)  e o enraizamento no movimento social de saúde mental e economia solidária.

Butantã em Mapas

Clicando em cada um dos mapas é possível obtê-los em uma versão maior para melhor visualização.

Habitação
Saúde
Lazer e Cultura
Transporte
Educação
Serviços
Butantã
Região Metropolitana de São Paulo

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *